Programa
A presença de artista viajantes foi uma constante no Brasil, iniciando-se em simultâneo com a presença europeia no país continente, no início do século XVI. Em geral faziam parte de equipes multidisciplinares, que buscavam documentar flora, fauna, paisagens e gentes, nas assim denominadas expedições artísticas e científicas. No retorno dos viajantes à Europa, os textos eram publicados acompanhados de imagens ilustrativas, em geral anônimas. Não foi o caso de Joaquim José Codina (s.d.-1790) e José Joaquim Freire (1760-1847), participantes de Viagem Filosófica coordenada por Alexandre Rodrigues Ferreira, que registaram suas observações em desenhos e aquarelas. Os dois são destacados para fins da presente reflexão, tendo em vista sua produção autoral, com o objetivo de discutir a categoria artista viajante e sua importância para o incentivo às viagens além das fronteiras europeias.
Dra. Susana Gastal (UCS)
A Pedra do Ingá contada em quatro atos
Curadoria: Sofia marçal
A exposição ÍNDICE itacoatiara do ingá, do artista e investigador João Lobo, parte do monumento ITACOATIARA[1]ou Pedra do Ingá,[2] onde se encontram gravadas gravuras pré-históricas. O artista fotografou as formas esculpidas no monolítico num contexto estritamente artístico de índices pré-históricos.
É importante dar a conhecer a cultura, a história e difundi-las, torna-las globais sem as desvirtuar. As fotografias aqui apresentadas são disso testemunho e remetem-nos para a necessidade de o artista registar e construir um trabalho circunscrito num pensamento direcionado para a problemática histórica e da sua representação artística.
Nestes trabalhos fotográficos João Lobo dialoga com indícios através de gradações luminosas e cromáticas captadas pela câmara. Os traços e registos que se encontram na pedra ganham importância sobre o olhar do fotógrafo. “ O mundo visível é novamente um mundo de traços onde o invisível recebe o encargo de impressionar-se no visível.”[3] Nessa circunstância foi possível fazer o cruzamento entre determinados registos gráficos e criarem-se novas leituras.
O artista opta por conceber uma narrativa expositiva em quatro actos. A exposição inicia-se com a apresentação de duas peças de madeira envelhecidas, peças que retratam as pedras e nos remetem para o passado, para a pré-histórica, para as gravuras rupestres. No seguimento, três molduras antigas com fotografias impressas em tela, molduras quebradas e sujas intencionalmente que dão a impressão que foram encontradas por acaso. No terceiro acto, cinco peças impressas em papel normal, representando a atualidade. Por fim, cinco peças de acrílico com fotografias em perspectiva tridimensional que nos transportam para o futuro. “As fotos, que brincam com a escala do mundo, são também reduzidas, ampliadas, recortadas, retocadas, adaptadas, adulteradas. Elas envelhecem, afetadas pelas mazelas habituais dos objetos
de papel; desaparecem; tornam-se valiosas e são vendidas e compradas; são reproduzidas. Fotos, que enfeixam o mundo, parecem solicitar que as enfeixemos também. São afixadas em álbuns, emolduradas e expostas em mesas, pregadas em paredes, projetadas como diapositivos. jornais e revistas as publicam; a polícia as dispõe em ordem alfabética; os museus as expõem; os editores as compilam.”[4] As várias formas de apresentação destes trabalhos conforme a época que querem representar, confere-lhes um estatuto de guardiãs da veracidade artística.
Citando João Lobo, “assinalamos as questões fundamentais da história da arte pré-histórica, sobre representação e abstração que essa proposta artística pode anunciar. As imagens de ÍNDICE itacoatiara do ingá possuem uma perspetiva puramente artística do monumento arqueológico. Sendo assim, promove a discussão sobre a transformação de artefactos arqueológicos em criações artísticas, sobretudo de sítios pré-históricos. Pois, quando o fotógrafo desenvolve uma criação artística a partir de algo que já está criado, pode incorrer em apenas retratar a realidade.” Em direção oposta ao realismo social, João Lobo preferiu o sonho e o mundo de formas voláteis que a luz às vezes sugere, mesmo por vezes sendo onírica, com a dimensão ilusória que se projeta sobre o real e que leva à procura de interfaces entre o que existe e o que se pretende que exista.
Estamos perante uma exposição com trabalhos fotográficos artístico-documentais. A fotografia documental, além de difusora de informações, é também provedora de prazer estético e formadora de opinião. João Lobo procura nas suas obras recuperar, através dos detalhes de alguns signos desse grande painel de gravura, a magia que certamente envolvia os cultos lá praticados. Para Jacques Aumont a grande revolução fotográfica era “fixar o tempo com o espaço.”[5] Aqui, no museu o artista pretende valorizar o património cultural brasileiro e reposicionar este importante monumento monolítico na atenção do poder governamental e dos agentes culturais.
Esta exposição também pretende celebrar os duzentos anos de independência do Brasil.
[1] Itacoatiara é um vocábulo indígena que significa pedra pintada, pedra escrita. Procede do tupi itá: pedra e coatiara: pintado, gravado, escrito, esculpido.
[2] A pedra do Ingá mede 24 x 3m, é composta por rocha metamórfica coberta por inscrições antigas. Está localizada no Sítio Arqueológico das Itacoatiaras na cidade brasileira de Ingá. Apesar de ser reconhecido pelo Instituto do Património Histórico Artístico e Natural (IPHAN) do Brasil em 1944, esse Sítio é subaproveitado, pois ainda não conseguiu aceder e permanecer conservado na sociedade como ativo cultural. João Batista Nascimento Ribeiro, in: A geoconservação e os aspectos do geoturismo do sítio arqueológico do Ingá: Um estudo das Pedras Itacoatiaras. Trabalho de Conclusão de Curso de Geografia na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e Luciana Arruda Falcão, Amada Gama Tavares e Ilana Kiyotani in: Arqueoturismo: repensando o turismo nas Itacoatiaras do Ingá – PB.
[3] Rosalind Krauss, in: O fotográfico, p.30.
[4] Susan Sontag, in: Sobre fotografia, p.15.
[5] Jacques Aumont, in: O olho interminável, p. 80.